Há 158 anos, um legado surgiu em Santo Tirso: a Casa Reis. Uma doença pulmonar, um matrimônio e a aquisição de um negócio familiar teceram essa história, que segundo o proprietário, é a mais antiga retrosaria do Norte de Portugal.
Magno Braga, gerente da casa há 48 anos, compartilhou com a agência Lusa as fascinantes narrativas de um empreendimento que, em 1902, ganhou novo fôlego ao ser adquirido por um empresário do Porto com ideias republicanas, em plena era monárquica.
Era o ano de 1860 quando Narciso José Teixeira estabeleceu a loja "Tem Tudo", que se tornou um centro de destaque nos concelhos vizinhos de Santo Tirso, comercializando fazendas, miudezas, decorações e "amostras" únicas. No entanto, foi a ousadia do novo proprietário, António José dos Reis, que conferiu uma nova dimensão à Casa Reis, ao hastear a primeira bandeira republicana no local, provocando grande curiosidade na comunidade.
A ardente defesa da causa republicana por António José dos Reis não passou despercebida, e ele enfrentou problemas durante a contrarrevolução que instaurou a Monarquia do Norte, o que o levou a se refugiar durante dois meses no Porto e a esconder-se por uma semana no sótão do estabelecimento para evitar perseguições políticas.
Mesmo com seus ideais políticos, António continuou ativo na cidade, tornando-se vereador da Câmara de Santo Tirso, mesário da Santa Casa de Misericórdia, presidente da Associação Comercial e do Montepio Tirsense, além de sócio benemérito dos Bombeiros de Santo Tirso, enquanto investia no negócio.
Em seus dias áureos, a Casa Reis contava com 12 funcionários e abria até o meio-dia de domingo. O estabelecimento foi pioneiro na democratização do comércio local e, de forma visionária, instalou a primeira bomba de gasolina em Santo Tirso, que se manteve em frente à loja de 1946 a 1989. Nessa época, a procura era tão grande que os clientes precisavam tirar senha para serem atendidos na loja, um contraste com a realidade atual, em que a procura diminuiu significativamente.
Com o passar do tempo, o negócio foi impactado pelas mudanças operadas no país, como a criação do concelho da Trofa em 1998, que resultou na perda de clientes. Enfrentando a concorrência das grandes superfícies comerciais, das casas de chineses e da Autoestrada 3 (A3), a Casa Reis preserva hábitos centenários, permitindo que parte da mercadoria seja apreciada no exterior do estabelecimento, ao lado de um engraxador.
O futuro da mais antiga retrosaria do Norte de Portugal será marcado pela ênfase em decoração de interiores e móveis, já que as vendas dos materiais que lhe deram nome caíram de 40% para 10% do volume de negócios. No entanto, para os saudosistas, a Casa Reis continua a ser um refúgio, onde é possível encontrar tecidos vendidos há 150 anos, como a clássica flanela de xadrez, o serrubeco e a chita para os vestidos de senhora.